segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O Wikileaks e os hipócritas

 
        Pare e pense. Você está em casa, com sua família, debatendo um assunto muito sério e de foro íntimo. De repente, alguém silenciosamente o espiona com uma câmera e um microfone. Dias depois, seus segredos mais íntimos estão revelados. Ou então você está se correspondendo com as pessoas mais próximas em seu correio eletrônico, assuntos estritamente pessoais; repentinamente ele é violado e sua caixa de mensagens é tornada pública.
        Certamente ninguém se sentiria confortável passando por uma das situações acima descritas. Uma violação de privacidade é inadmissível num Estado Democrático de Direito. A inviolabilidade do Direito à Vida Privada, à Privacidade e ao sigilo das comunicações é garantia constitucional no Brasil, prevista no disposto do Inciso XII do Art. 5º. Tudo isso no âmbito pessoal. Ninguém gostaria de ter sua vida exposta e, repentinamente, tornada pública. Se isso atinge uma pessoa, que dirá um Estado soberano e independente.
        Recentemente, ventilou-se na mídia o caso “WikiLeaks”, um website que expõe documentos confidenciais dos estados, deixando diplomatas de calças-curtas e estremecendo as relações entre potências globais. Se aplicamos a regra do sigilo inviolável às pessoas, aplicamos também aos Estados que nada mais são que várias pessoas reunidas de forma organizada. No âmbito internacional, todo país torna-se independente, não devendo submeter-se a decisões de outros países e tampouco prestar satisfações a estes sobre o que passa dentro de sua própria casa. Imaginem vocês se representantes de um país qualquer resolvessem chegar ao Brasil, invadir o Palácio do Planalto e pegar os documentos secretos da presidência? Isso seria violação à soberania! Ninguém compactua com algo desse tipo. Por que, então, defender o Wikileaks, que faz exatamente a mesma coisa, só que, ao invés de invadir e roubar, recebe de pessoas que traem suas nações?
        Os que defendem o Wikileaks com argumentos do tipo “Se não quiser que ninguém saiba não o faça” são, com as devidas escusas à força da palavra, hipócritas! A defesa ao Wikileaks, creio eu, dá-se pela curiosidade inerente a todo ser humano. Todo mundo quer saber o que se passa. Mas ninguém quer expor a própria vida.
        E nada tem o Wikileaks a ver com liberdade de imprensa. Todos os direitos fundamentais, dentre eles o da liberdade, são relativos. Nenhum é absoluto. Qualquer um deles pode cair (exceto o Direito à Vida) quando ponderado com outros interesses. A liberdade do Wikileaks afeta a segurança nacional e até mesmo a paz mundial. A atividade do Wikileaks é inquestionavelmente absurda, inconsequente e hipócrita! Deve, então, permanecer o direito de informar sobre o direito da paz entre as nações? Devem os documentos mais secretos serem tornados públicos?
        Defendo, sim, a censura aos documentos sigilosos, repito, sigilosos, vazados pelo Wikileaks. Que o site fique no ar, veiculando o que quiser, os documentos públicos que julgar necessários. Entretanto, vamos deixar de ser hipócritas: Vazar documento sigiloso que atente contra a segurança nacional não tem nada a ver com liberdade de imprensa. Defendo uma imprensa livre e sem censura, nos limites da lei. Não há censura para quem cumpre a lei.
        Os telegramas diplomáticos e os documentos sigilosos, vazados, podem até ocasionar conflitos armados. A descoberta por parte da Rússia, motivada pelo Wikileaks, de que os Estados Unidos chamavam a dupla Presidente/Primeiro-Ministro da Rússia de Batman e Robin provocou reação negativa do país eslavo, que pediu para que os americanos não mais se intrometessem nos assuntos da Rússia. Uma leve declaração que poderia evoluir para um conflito maior. Esse site irresponsável e inconsequente quer causar uma nova Guerra Fria?
        Proponho a todos que defendem o vazamento de documentos que tornem, também, suas respectivas vidas privadas visíveis, completamente, ao público. Aquele que o fizer, digo eu, certamente terá crédito para criticar o Wikileaks. Ninguém o fará. E ninguém terá crédito.







quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Guerrilha urbana no Rio: Soluções mediatas e imediatas

 

Praticamente toda a população brasileira acompanhou hoje, 25, o drama no Rio de Janeiro. Sim. Mesmo sendo uma guerra, algo mais pra “Terror” do que para “Drama”, eu destacaria e classificaria esta situação como dramática. A polícia carioca tenta, de uma vez por todas, por um fim à ocupação das favelas no Rio de Janeiro. É a hora do agora ou nunca.

Ou a polícia logra êxito nessa operação, ou então ficará completamente desmoralizada, sem poder de fogo, e um caos ainda maior se instalará no Rio de Janeiro. Não queremos isso. Todo o Brasil assiste, e torce, pela paz no Rio.

Durante todo o dia de hoje, as hashtags “#paznorio”, “#UPP”, e mais uma série de palavras relacionadas à situação dos cariocas figuravam entre os assuntos mais comentados no Twitter.

Enquanto eu dialogava na minha página do twitter com algumas pessoas de diversos setores da sociedade e dos mais variados lugares do Brasil sobre a operação, uma delas me disse que a operação era insuficiente, e que era contra esta. Dizia que o estado tem de garantir educação, lazer, de forma a acabar com isso. Será?

O pensamento não está de um todo discordante do meu. Concordo que o estado deve garantir educação, lazer, segurança preventiva e mais uma série de coisas para evitar que isso aconteça. Entretanto, o problema é que isso já aconteceu. De que adianta agora, com o perigo real e imediato, pensarmos em soluções a longo prazo? De que adianta pensarmos em cosias que já deveríamos ter feito ou que levarão anos para serem feitas? Se as coisas chegaram onde chegaram, devemos mais é mostrar que, se o estado não é eficaz, ele é eficiente.

E aqui destaco a diferença entre eficiência e eficácia, que não cabe a mim explicar, mas é uma diferença substancial. Neste momento, com o tráfico tomando conta do Rio, com as pessoas de bem na favela cercadas e dominadas por traficantes fortemente armados, com a ameaça de uma guerra entre facções no Rio de Janeiro, não devemos pensar em tudo isso. Devemos priorizar, sim, a repressão. O Estado tem de se mostrar forte, capaz, impositivo e coercitivo. O poder coercitivo do Estado, aquele mesmo que a Ciência Política nos ensina e o senso comum nos traduz, é fundamental para que haja, realmente, uma harmonia e uma paz social.

Entretanto, há uma parte correta no pensamento. Reestabelecida a ordem, devemos sim adotar medidas de médio e longo prazo. E destaco o “nós” porque não adianta transferir a responsabilidade para os governantes. Todos somos um pouco responsáveis por isso. A sociedade não é feita pelo governo. O governo é feito pela sociedade. O Brasil, e no caso específico o Rio de Janeiro, precisa dar uma ênfase à educação, ao lazer, à segurança preventiva, ao combate ao tráfico de entorpecentes, ao crime organizado, de forma a manter uma paz na sociedade, tronando-a constantemente harmônica e pouco suscetível a alterações bruscas na ordem.

Portanto, é importante sim que se combata, agora, o problema já constituído. Os bandidos devem temer a força do Estado. E não o contrário.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Quem não é da universidade pública está na privada?

Desculpem-me pelo trocadilho nada engraçado no título. Mas é porque este trocadilho pode nos servir de pontapé inicial para toda a nossa discussão aqui neste artigo.

Esta discussão foi suscitada hoje durante o debate numa aula do curso de Direito numa Universidade Particular em Aracaju. As academias jurídicas sempre são um importante centro de debates, ideias, confrontos sadios e reflexões filosóficas, políticas e sociológicas. A pena é que, cada vez mais, os alunos necessitam de uma provocação para que expressem sua opinião e iniciem o debate. E assim foi.

Tratou-se muito da Universidade Pública, mais de perto da Universidade Federal de Sergipe, em oposição às universidades particulares. Falou-se que a UFS aprovava mais alunos na OAB, proporcionalmente, que as outras academias sergipanas. Citou-se também a questão dos alunos da UFS serem melhores que os demais. Foi aí, bem aí mesmo, que pisaram no meu calo.

Confesso que quando estudante dos níveis básicos, Ensino Fundamental e Ensino Médio, tive pensamentos semelhantes e até mais fortes: Não valorizava alunos de universidades particulares, e os imaginava incompetentes por não passarem numa universidade pública. Tudo besteira. Estes pensamentos nada condizentes com a realidade me eram impostos pela escola. Sempre vi revisões, dedicação, informações, atendimento, para aqueles que pretendiam ingressar numa universidade pública. A particular ficaria em segundo plano. Tudo isso desperta uma cultura discriminatória: Passou na UFS e lá estuda é bom; passou na Unit, FaSe, Facar, Faser, Fama, etc., é medíocre, sem méritos. Grande parte da cultura aracajuana a isso se resume.

O bom é que este que vos escreve pode expressar uma opinião vista sob as duas óticas, sob a ótica de alguém que conhece, na prática, a rotina de duas universidades: Uma pública, e uma particular. Decerto que a universidade pública tem mais mestres e doutores em seu corpo docente, por exigência feita no ingresso por Concurso Público. Decerto que ela também possui uma seleção mais rígida. Decerto que ela também já pega o aluno apto, vindo do Ensino Médio com boas médias e boa capacidade de absorção de conteúdo. Mas, isso faz dos estudantes das universidades privadas medíocres, inúteis e sem méritos? Evidente que não.

Quando aluno da UFS, vi lá dentro um mundo. Todos os tipos de pessoas. Na UFS, você aprende a crescer, aprende a levar a vida por si só, a ser independente. Se você é aluno do curso de Direito na UFS, você pode ter a oportunidade de, por exemplo, estudar na mesma sala que alunos de Física ou Medicina. Isso aumenta, e muito, a sua vivência universitária. Por um processo mais rigoroso de seleção, principalmente nos cursos de humanas, os alunos, presume-se, são mais aptos ao debate inteligente, sadio e de idéias. Mas também vi por lá outra realidade.

Convivi com professores que faltavam às aulas de forma frequente, prejudicando a grade. Convivi com alunos que estavam na universidade pela 30ª vez (Ressaltando aqui a hipérbole) apenas por interesses políticos. Convivi com alunos que simplesmente me diziam: “Estou na UFS por status”. E é isso: A UFS dá, acima de tudo, status. Os empregadores, ao analisarem um currículo, olham com bons olhos se o aluno for graduado na UFS.

Mas, e daí, os alunos das universidades privadas estão “na privada”? As universidades particulares são reconhecidamente mais organizadas, assemelhando-se até a uma escola de Ensino Médio. No caso de Sergipe, há de se elogiar a organização da Universidade Tiradentes, a sua estrutura excelente, a biblioteca com milhares de títulos novos e atualizados para consulta e empréstimo (Aqui nem preciso comentar sobre o estado dos livros da BICEN-UFS).O problema todo reside no ingresso: Muitos alunos ingressam na Unit, e é reconhecidamente mais “fácil” passar nesta do que na UFS. O número de ingressantes em cursos como Direito na Unit é quatro vezes maior do que na UFS. Por ano, a Universidade Federal de Sergipe aceita 50 alunos por turno no curso de Direito. Por ano, no mesmo curso, a Unit aceita 400 por turno.

Quando vamos às estatísticas, analisamos os números relativos, e não os absolutos. “UFS aprova 85% dos alunos de Direito na OAB.” – Dos 100 ingressantes na UFS, se todos prestarem o exame, 85% corresponde a 85 aprovados. Se a Unit quiser manter este percentual, dos seus 800 alunos ingressantes num ano, 680 deveriam ser aprovados no exame. Mas o percentual é bem menor.

O que ocorre? Proporcionalmente, e apenas proporcionalmente, a UFS lança mais advogados no mercado. Absolutamente, e apenas absolutamente, a Unit sai na frente.

As universidades privadas são assim discriminadas pela facilidade no ingresso, quando comparado às públicas. Assim, num universo onde a “filtragem” é baixa, torna-se mais fácil encontrar alunos ruins. Mas há alunos bons nas universidades particulares. Melhores que alunos da pública.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Análise das eleições 2010

As eleições 2010 certamente viraram um marco na História do Brasil. Isso porque, depois da redemocratização do país na década de 1980, da promulgação da Constituição Federal em 1988 e da primeira eleição direta para Presidente da República em 1989, o país viveu seu momento mais intenso de democracia. Sem falar, ainda, do marco histórico da condução da primeira mulher à Presidência da República.

Assistimos, nesta eleição, a fenômenos surpreendentes que mostraram o quanto o Brasil avançou em termos de Democracia, mas também o que precisa ser melhorado, amadurecido, no sistema democrático brasileiro. E, convenhamos, muita coisa precisa ser repensada. A Constituição de 1988, que instituiu o regime democrático no Brasil, ficou conhecida por Constituição Cidadã após Ulysses Guimarães promulga-la em meio a centenas de congressistas eufóricos .A cena diversas vezes reproduzida que mostra os constituintes brasileiros cantando o Hino Nacional, é de emocionar até o menos patriota dos cidadãos. O dia era 5 de outubro de 1988, e os brasileiros, depois de 24 anos de Regime Militar, viam sua democracia aberta novamente. Entretanto, os primeiros anos da fase democrática do Brasil foram conturbados.

João Baptista Figueiredo, último presidente militar, disse que a transição do Brasil para um governo democrático seria “lenta e gradativa”. Na época, Figueiredo ainda gozava do prestígio econômico conquistado no Governo Médici, onde o milagre econômico colocara o Brasil entre as 5 economias mais desenvolvidas do mundo. O país, de norte a sul, era um verdadeiro canteiro de obras; entretanto, para isso, os militares não levaram em conta a distribuição de renda e os avanços sociais. Anos mais tarde, a política econômica estaria desgastada pelo seu uso irresponsável, e o Brasil viveria época de hiperinflação.

Mas, o que tudo isso tem a ver com as eleições 2010?

O ponto chave é a compreensão da transição do regime ditatorial para o regime democrático. Tudo que ocorreu nessas eleições é melhor compreendido se analisarmos aquele momento. Não é à toa que os dois principais candidatos à presidência, Dilma Rousseff e José Serra, utilizaram-se muito de argumentos vindos da época da ditadura. Vejamos.

José Serra foi líder estudantil e, pouco antes do golpe, discutia com o então Presidente João Goulart as reformas de base no Brasil. Estas reformas, juntamente com o grande Comício da Central do Brasil, foram determinantes para o golpe. Quando os militares tomaram o poder, Jango foi para o Uruguai e Serra para o Chile. Depois de muitas idas e vindas, Serra chegou ao Brasil e, beneficiado pela lei da anistia, entrou na política. Foi constituinte e coordenador de campanha de Tancredo Neves, do PMDB.

O que Serra esqueceu, entretanto, é que seu partido, o PSDB, é dissidente do MDB, constituindo-se em um partido de Centro-Esquerda. Seria um “PT Elitista”, por assim dizer. Mas há de se observar as coligações. E nesse quesito, José Serra caía em contradição. Alegava ser um ferrenho opositor ao regime militar, mas mantinha em sua base aliada o DEM (Partido dos Democratas), derivado do PFL (Partido da Frente Liberal), que compôs a base de sustentação da ditadura.

Já Dilma Rousseff teve um papel de luta mais campal contra a ditadura. Foi às ruas, participou de grupos revolucionários, foi presa e torturada. Entretanto, Dilma não esteve presente com destaque na redemocratização do Brasil. Tampouco esteve ela na Constituição de 1988. Dilma surgiu na política quando, junto com seu ex-marido, ajudou a fundar e consolidar o PDT (Partido Democrático Trabalhista), o mesmo de Leonel Brizola. Dentro do PDT, Dilma conquistou seus primeiros cargos políticos, sendo a primeira Secretária de Finanças de Porto Alegre na gestão de Alceu Collares, afilhado político de Brizola. Sua chegada ao PT deu-se em 2000, quando o governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, do mesmo partido, a nomeou Secretária de Minas e Energia.

Mais do que um embate Serra x Dilma, e eleição 2010 produziu um fenômeno sociológico jamais visto no Brasil. Em nenhuma outra eleição houve tanta polarização. Eleitores do PT e do PSDB ganharam contornos próprios, bem definidos, e facilmente diferenciados.

O voto em Dilma Rousseff, em sua grande parte, deveu-se a Lula. O voto de José Serra deveu-se a ele mesmo. Mas não era para ser assim. O que estava em jogo, em disputa, eram dois projetos de governo completamente distintos e cabia ao eleitor analisa-los. Entretanto, isso não foi levado em consideração pela maior parte da população, que votou por critérios diversos.

A diferença nos projetos de governo é evidente. O governo do PT, conduzido durante 8 anos por Lula, é reconhecidamente de olhar mais social, de prestígio internacional e de forte nacionalismo. Já o governo do PSDB é reconhecidamente um governo mais técnico, menos humano, e com um olhar mais econômico. Isso torna o partido escravo de uma Tecnocracia sem limites.

O resultado, portanto, confirma que o povo brasileiro acreditou na “desconhecida” Dilma. Elegeu, com confiança, uma mulher para presidir o Brasil. Não quis apostar no modelo de governo do PSDB outra vez.

Dilma chegará ao governo em condições extraordinárias. Terá maioria na Câmara, no Senado, Economia Estável, pessoas competentes na sua equipe, e prestígio internacional. Cabe a Dilma, agora, não só dar continuidade aos avanços de Lula e consertar aquilo que está errado, mas também reacender no Brasil a chama democrática, para que o povo não se sinta cidadão apenas de 4 em 4 anos.